Então é isso, amor? Agora resta ficar com suas fotos, cartas, caixas de presente. Coloridas, rasgadas, vazias. Minha nova coleção. Resta ficar com as palavras que prometiam mais do que puderam cumprir, com o olhar alheio que não entende a sua permanência fantasma e diz que a vida é como um rio e que você foi mais um dos ancoradouros onde o barco da vida parou. Mas o apito chama novamente os passageiros. Então é isso, amor? Como confiar de novo em você, que se esconde agora em milhares de rostos, como um enigma a descobrir em uma multidão matemática? Itinerários desconhecidos que não interessam na estação. E se virá um novo porto onde ancorar, virá também uma nova despedida, de lenços no convés e pessoas no cais a ver a partida? É isso? Sempre? Levantar de malas ininterrupto? Não se pode dormir até tarde: o correio sempre chega cedo. Então é isso, amor? Projetar-se em visões artísticas. Coletâneas de música, cenas de filmes, capítulos de livros. Apropriação de catarses alheias. Arquivo de lembranças, arqueologia de papéis de carta. Conformar-se com o fato de que não se é o único a perder e resignar-se como todos antes e depois se resignaram, pois você não mata ninguém de fato? São só mentiras literárias? Werther, Romeu, Aschenbach. Fragmentos de um discurso amoroso. Mas onde ficam os aleijados do amor? Onde enterraram um pedaço de si nessas pequenas mortes acumulativas? Então é isso, amor? Acreditar nos clichês, pois é o que resta? Cansar a todos com discursos sobre você e seus mil corações rosas? Filhos, ações judiciais, pensões alimentícias. Esse, o saldo? Uma gaita tocando sozinha no fim do filme, enquanto os créditos sobem com os nomes dos que construíram mais essa história? Uma aparição casual, um telefonema pedindo um favor, encontros sociais compulsórios? Esmolas, pedras, gelo. Então é isso, amor? A luta contra o tempo invejoso? "A persistência da memória" não parece um bom título de quadro. Os relógios se dissolvem no tempo e o que sobra? O corpo de um ciclista caído na rua apaga-se antes da próxima chuva. O trem sai todo dia da estação, e, a cada viagem, é como se você eterno e indefinidamente partisse. Acenos, fumaça, lágrimas. O que persiste? Um cachorro que corre na chuva, um saco plástico que voa no vento, postais enviados sobre a estante. Mas até quando a memória persiste? A última perda na curva da estrada, o último cais antes do oceano. E então finalmente aprender que é isso o amor, quando acaba...
Tudo acaba.
Porque tudo acaba. Uma hora acaba, se o que há de mais precioso: A vida. Acaba, quem dirás as outras coisas. Ciclos terminaram, você acorda e o sonho acaba, amizades acabam,o sorvete acaba, seu lápis de olho, sua dor de cabeça, absolutamente TUDO acaba. E por que eu inocente, mais uma vez tentei congelar, salvar, imortalizar algo que ia acabar, que já começou com risco de acabar? E então me encontro mais uma vez oca. Esperando mais um veredito de "caso encerrado". E aceitar, só. Só ha a aceitação pela frente, o corpo treme, a garganta trava, a respiração arde pra sair ou entrar nos pulmões. Nem o som do vento pra me fazer companhia, nada.
Como saber que acabou? Terminar algo não é quando há brigas intermináveis,lágrimas, histórias. O fim demonstra que chegou quando não há mais nem vontade de discutir, resolver. Apenas: "deixar pra lá". "Deixa passar". E de tanto deixar pra lá, eu to aceitando, eu to aceitando que acabou. Eu to aceitando que houve amor, que foi bonito, que marcou, até na pele ficou. Mas que pra toda vida, vai ficar só a lembrança do que um dia jurei ou juramos - já nem me lembro mais - nunca acabar, e, mais longe ainda, ser inocentemente "pra sempre". Mas um sábio disse uma vez "O pra sempre, sempre acaba." E se até o pra sempre acaba, o que é que pode durar?
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